sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Leitura 26

- Perderia mais uma ilusão a respeito de meu marido, respondeu ela. - Até aqui ainda não o apanhei mentindo, e confesso que o julgo incapaz de tamanha baixeza.

- E se eu provasse que ele, em vez de passar a noite nessa fantástica conferência, estará por esse tempo aos pés da mulher do conselheiro?...

- Creio que ainda assim eu não acreditaria.

- E se as provas fossem irrecusáveis?

- Nunca perdoaria a ele semelhante infâmia.

- E jura que não fará o mesmo a meu respeito, se eu provar o que disse?

- Pode estar tranqüilo por esse lado, porque nós, as mulheres, só condenamos os atos maus e as faltas da pessoa que amamos. Em nós o ódio é sempre o avesso do amor e só aparece quando este se esconde; o nosso coração é uma capa de duas vistas, cujos lados não podemos usar ao mesmo tempo: ou bem que amamos, ou bem que odiamos.

- Quem me dera então ser odiado pela prima...

Branca sentiu o roçar das tais antenas e tratou logo de cortar a conversa, retirando-se para o seu quarto, a pretexto de sentir-se indisposta.

Aguiar ficou na sala, mas a denúncia dele acompanhou-a, grudando-se-lhe ao coração com tanta insistência, que afinal já a oprimia.

- Um mentiroso! pensava ela, deixando-se cair sobre o divã.

E vieram os soluços.

- Mentir, enganar-me, trair-me como o mais baixo dos homens não faria com sua mulher!... Oh! isso não! Isso já é demais! Isso já não é uma fraqueza, é uma vilania e uma perversidade! Se ele está farto de mim, se não me pode suportar, por que então não fala com franqueza? por que não confessa tudo dignamente? por que me traz nesta dúvida ridícula e mais dolorosa do que a pior das evidências?...

E ainda chorava sobre estes raciocínios quando Teobaldo chegou à tarde. Ela disfarçou as suas lágrimas, acompanhou-o ao jantar, depois conversaram juntos, como de costume, debaixo de um caramanchão que havia na chácara e, só à noite, ao vê-lo já pronto para sair, perguntou-lhe com os braços em volta do pescoço dele:

- Vais sempre à tal reunião?

- Vou, e creio que me demorarei alguma coisa; mas fica descansada, que não irei muito além da meia-noite.

E beijou-a na testa e teria desaparecido logo, se a mulher não o prendesse com mais força.

Ele estranhou:

- Então! disse. Creio que não vou empreender alguma viagem aos pólos!

A esposa tomou coragem e interrogou-o abertamente:

- Quero que me digas uma coisa, mas não mintas! Fala com franqueza.

- Não te compreendo, filha.

- Dize-me: onde vai tu agora?

- Oh! estou farto de repetir! E estalando as sílabas: - Vou a uma reunião comercial, que tem hoje de deliberar sobre um sindicato, apresentado ao governo, pedindo privilégio para o fornecimento de certos materiais de guerra que tencionamos mandar ao Paraguai. Oh!

- Jura! Dá tua palavra de honra!

- Ora essa!

- Então não acredito.

- Paciência!

- E vejo que as minhas desconfianças têm razão de ser...

- Desconfianças?

- Sim. Não acredito na tua reunião.

- E com que direito?

- Com o direito de quem tem ciúmes.

- Ciúmes, tu?

- Eu mesma.

- E duvidas de mim?

- Só não duvidarei se renunciares a essa tal reunião.

- Não posso.

- Fica. Peço-te.

- É impossível! Teria um grande prejuízo!

- Fica Teobaldo.

- Não. Seria uma tolice, que eu a mim mesmo nunca perdoaria! Bem sabes que os meus negócios não vão bem, atravesso uma crise muito séria, extraordinariamente séria! A guerra tem me feito um mal diabólico! Se me descuidar, estará tudo perdido, tudo! Nesta reunião de hoje vou tratar do nosso futuro; é o interesse que me conduz e não devo faltar!

- Bem, vai!

- Adeus.

- Adeus.

Ele tornou a beijá-la na fronte e depois saiu.

Branca ficou imóvel, junto à porta, a segui-lo com os olhos. Viu-o descer muito lépido a escadaria de pedra, atravessar a chácara e ouviu depois rodar o carro lá fora.

- Qual dos dois será o mentiroso? este ou o outro?... balbuciou ela, deixando pender a cabeça para o peito e entregando-se a uma cisma atormentadora e ensombrecida pela dúvida: Qual dos dois será o infame? Talvez ambos ...

Despertou com a voz do primo.

- Então? Ele sempre foi? perguntou este com um sorriso.

Branca respondeu sem falar, procurando esconder a sua preocupação. Deu uma pequena volta pela sala, afinal foi colocar-se ao lado do primo:

- Onde é a entrevista, sabe?

- No Catete.

- Em casa de quem?

- Na minha.

- Na sua casa?

- Ele pediu-ma e eu não podia negar. Não acha?

- Fez bem.

E ela acrescentou, depois de uma pausa aflita, aproximando-se mais de Aguiar:

- Meu primo, o senhor disse que é meu amigo, não é verdade?

- E sustento.

- Pois bem, prove-o, não dando uma palavra a respeito do que eu vou fazer.

- Juro que não darei, mas peço em troca uma promessa do mesmo gênero.

- Fale.

- A prima não dirá a Teobaldo quem foi que o denunciou.

- Pode ficar descansado.

Dito isto, Branca foi ao tímpano e vibrou-o.

Apareceu um criado.

- O Caetano que se apronte para sair e venha imediatamente aqui; você vá chamar um carro. Depressa!

- Vai certificar-se? perguntou Aguiar à prima, feliz com aquela intimidade que o aproximava mais dela e como que o fazia seu cúmplice, estabelecendo entre eles um segredo, um pacto e um juramento.

Branca respondeu que sim, queria certificar-se com os seus próprios olhos.

- E que meios tenciona empregar para isso?

- Espiá-los.

- Mas, de que modo?

- Postando-me defronte da casa.

- E se eles já tiverem entrado e se fechado por dentro?

- Espero que saiam.

- Mas é que dessa forma a prima será descoberta e terá de passar longas horas a esperar na rua, metida em um carro de aluguel, talvez arriscando a sua reputação...

- Que então hei de fazer?

- Seguir os meus conselhos. Eu me comprometerei a levá-la a um lugar, donde a prima poderá observá-los a vontade e sem ser vista.

- Ir em sua companhia?...

- Parece-me que sempre é mais prudente do que ir em companhia do Caetano... Lembre-se de que esse velho a ninguém preza neste mundo como a Teobaldo e que não resistirá por conseguinte ao desejo de contar-lhe tudo!

- Pouco me importaria eu com isso!.

- Sim, mas importo-me eu. Se Teobaldo chegasse a descobrir a armadilha, descobriria também quem a armou. Ao passo que, indo a prima só comigo, eu a faria entrar misteriosamente pelos fundos da casa e levá-la-ia a um lugar seguro donde, já disse, os poderia ver, sem que ninguém desconfiasse da sua presença.

O velho Caetano acabava de aparecer à porta da sala, todo paramentado com a sua libré nova, a cabecinha já muito branca e vergada ao peso dos seus setenta anos.

- Espere, Caetano, disse-lhe Branca, encostando-se a um móvel, como para melhor resistir às idéias que a acabrunhavam.

É que ao seu espírito altivo e leal repugnava tudo aquilo, sentia-se mal, como se estivesse premeditando uma infâmia.

- Você já não é necessário, declarou Aguiar ao criado, enquanto ela pensava.

O velho Caetano fez uma respeitável continência e apartou-se sem dar palavra, arrastando os seus cansados pés e afagando lentamente com a mão a nuca encanecida.

Branca teve afinal um gesto resoluto de cabeça, foi ter com o primo o perguntou-lhe com a voz tão firme quanto era firme o seu olhar:

- Dá-me a sua palavra de honra em como não deixará de ser cavalheiro um só instante enquanto estiver ao meu lado?

- Dou-lhe a minha palavra de honra em como a respeitaria como minha irmã ou minha mãe!

- Bem. Aceito a sua companhia.

E retirou-se por alguns segundos para ir por uma capa.

- Podemos ir, disse ao reaparecer na sala.

O primo deu-lhe o braço e os dois saíram juntos.

VIII

Chegaram sem o menor incidente ao destino que levaram.

Aguiar fez conduzir o carro pela rua dos fundos da casa e apeou-se defronte de um portão, dizendo à prima:

- Entre sem receio.

- Mas...

- Calculando a sua vinda, dei todas as providências para que nada nos estorvasse.

- Como?

- A sala, onde seu marido há de estar com a sujeita, tem uma janela que despeja para aqueles lados.

- Ah!

- Essa janela parece dar simplesmente para a montanha, mas tanto dá para a tal montanha como para um pequeno terraço que existe perto dela, meio oculto pela folhagem de algumas árvores.

- Um terraço?

- Sim. E é ali que os vamos observar.

- E se a janela estiver fechada?

- Tão tolo não era eu que consentisse em tal...

- Como assim?

- Ora, preguei muito de propósito as folhas da janela contra a parede. Além disso, eles não terão empenho em fechá-la, não só porque nem sequer desconfiam de que possam ser espreitados, como também abafariam de calor. Só por essa janela entra o ar no quarto.

Branca deixou-se conduzir até ao terraço; o primo a seguiu, afetando o maior acatamento e o mais solícito respeito.

- Eis a janela, segredou ele ao ouvido da prima.

E apontou para uma janela que de fato estava aberta, deixando devassar parte de uma boa sala bem guarnecida e bem iluminada. Sobre a mesa do centro via-se um grande véu preto, de mulher, ao lado de uma bolsa e mais um chapéu de homem e uma bengala.

Branca reconheceu estes dois últimos objetos, mas não disse uma palavra.

- Venha agora para esta outra banda... segredou-lhe de novo o rapaz, tomando-a delicadamente pela mão e conduzindo-a à extremidade oposta do terraço.

Ao chegar aí, ela sentiu um choque mais violento e amparou-se contra o ombro do primo, escondendo o rosto nas mãos e chorando.

É que vira o marido, de pé, tendo nos braços a senhora do conselheiro.

Agora, Branca já não podia ficar iludida; vira perfeitamente: Ele estava todo de preto, vergando-se para alcançar com os lábios o beijo que a sua cúmplice lhe oferecia. E viu que os dois se estreitavam nos braços um do outro, dizendo entre si alguma coisa em segredo: palavras de amor sem dúvida.

Branca enxugou as lágrimas, puxou de novo sobre o rosto a sua capa, que ela havia afastado para melhor ver, e com um gesto pediu ao primo que a acompanhasse.

- Agora está convencida?... perguntou este meigamente.

3 comentários:

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  2. NOME:Eduardo Oliveira de Araujo
    Nº04 SERIE:6ªC




    Teobaldo ja estava cansado de tanto repetir que iria a uma reunião. Mas sua esposa ñ acreditava nele, mesmo assim deixou ele ir.
    Ela ainda ñ estava acreditando em Teobaldo e então decidiu ir conversar com seu primo Aguiar para saber mais.
    Logo Aguiar levou ela para onde estava indo Teobaldo.
    Pois ela estava certa ao seguir seu marido Teobaldo.
    Quando ela começou espia-lo viu coisas inacreditaveis, ele e uma outra senhora esfregando os braços e falando segredos de amor um para o outro

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